Estória real...
Semanas atrás estava em casa e eis que liga um grande amigo meu que é tecladista e diz: -Traz seu sax aqui pra casa por volta das 18:00 que vamos fazer uma demonstração pra uma noiva que quer que toquemos na recepção do casamento dela, traz umas musicas boas tipo carinhoso.
Até aí tudo bem, porque eu tava querendo mesmo tocar nesse tipo de evento, fiquei até feliz e tudo. Agora, dizer que carinhoso é uma musica boa? Desculpe na minha opinião ela é uma musica legalzinha, boa é a garota que mora aqui na minha rua, mas tudo bem, do Pixinguinha eu ainda prefiro a musica Ingênuo.
Agora que já estava tudo agendado, pensei qual sax tocar? Porque seriam mais ou menos 3 horas de festa, aguentaria eu tocar com o sax soprano ou o alto durante esse longo período? Surge a solução, O Sax Tenor! Sim, o sax tenor é uma ótima opção, não cansa tanto e tem um som agradável, exatamente o som que preciso pra tocar em uma festa sem ficar muito em evidência, afinal o pessoal tá indo no casamento pra se divertir e comer salgadinhos, não pra assistir os músicos tocando, se quisessem assistir os músicos eles iam no Theatro Municipal no Domingo de manhã, já que a entrada é R$1,00, não chega a pesar no orçamento..
Pensei também que poderia usar a flauta, tocar alguns chorinhos pra distrair o povo, claro que chorinhos lentos, com no máximo algumas colcheias, nada de “Benguelê” ou “Brasileirinho”. nem pensar.. Pensei até em "O mundo é um moinho", linda essa musica, é fácil e muito marcante..
Depois de algumas duvidas perdi a paciência e resolvi levar só o sax tenor mesmo, deixa a flauta pra tocar em casa mesmo e incomodar os vizinhos que tanto me amam (já até observei que a hora que eles mais gostam de mim é quando eu toco na hora da novela das oito.)
Bem resolvi passar as musicas selecionadas para a demonstração à afoita noiva que aguardava tão ansiosa a hora da seresta.
Pra começar com chave de ouro, escolho a primeira musica, Carinhoso, a tão falada musica "boa". Fui no encore, lutei com os erros que sempre aparecem dizendo que o midi não está configurado, coloquei a partitura no tom do Tenorzão e imprimi.
Ate aí tudo bem, comecei a treinar, noto que a segunda parte teima em não sair direito, erro toda hora a bendita passagem das colcheias, viu? Por isso que eu não gosto muito das colcheias, elas são um pouco apressadas, prefiro as seminimas que são mais tranqüilas, sem estresse.
-Não é possível! Exclamo eu com ar de desalento!
Ainda não consigo entender porque aquele raio de trecho que antes tocava com tanta facilidade, simplesmente não saía da forma certa, teimava o Ré em tomar a frente do Dó, que falta de educação!!
Já estava começando a entrar em pânico até que elas começaram a colaborar, as benditas colcheias, e depois de alguns minutos treinando começaram a sair bonitinhas, eu com a minha profunda paciência, decidi que estava lindo.
Bem larguei o sax de lado, fui me aprontar para o tão esperado evento.
Saí de casa levando meu sax tenor, as partituras (incluindo obviamente a partitura mal educada "Carinhoso" que teimava em não colaborar com um pobre saxofonista quase profissional).
Pra não me atrasar, resolvi pegar um ônibus, apesar de não ser longe, não quis me atrasar.
Saltei e fui até o apartamento desse meu amigo, toco o interfone e vejo que ele não atende, olho pela janela e vejo tudo apagado.
- Sem vergonha! Exclamo eu quase susurrando.
Vejo que ele ainda não tinha chegado, ligo pro celular dele (a cobrar é lógico) e nada dele me retornar, ligo de novo e de novo e mais algumas dezenas de vezes, e aí ele resolve retornar, diz que houve um pequeno atraso e que ele já está chegando.
Bem, eu como um usuário assíduo de computador, sei exatamente o que significa "Estou Chegando", não é à toa que existe uma comunidade no orkut chamada "Tô chegando" onde diz que quem fala isso nem saiu de casa ainda, ou seja, é provável que ele estivesse a quilometros de distância, talvez fosse mais sincero ele dizer "Tô chegando... na Arábia ou na Zâmbia”, etc.
Fiquei eu em pé em frente à porta esperando ele chegar de algum lugar longínquo do país, linda visão, uma rua toda suja e um mendigo com um suéter estilo Fred Kreuger, tudo bem, resolvi quebrar a rotina e fui no mercado comprar um iorgurte pra beber, algo saudável, X-tudo só nas segundas, terças, quintas, sextas e fim de semana, quarta era o dia do iogurte.
Enrolei e depois de uns 40 minutos, o meu querido amigo bom de cálculo (ele disse que no máximo em 15 minutos estaria chegando), aparece no seu carro importado de manaus.
Subimos e resolvemos passar as musicas, a "Carinhoso" que eu tanto lutei, mas que saiu bonitinha e mais umas 2...
Quando faltava alguns minutos pra chegada do casal apaixonado, o meu amigo diz que iria me apresentar pra noiva naquele momento porque ela não sabia que eu iria tocar, muito legal isso, eu ainda teria que torcer pra noiva aprovar minha presença e liberar a verba pro musico que vos escreve..
Eles me olharam com cara de "quem é você?", cumprimentei-os e o meu amigo tratou de fazer uma merchandising sobre mim dizendo que eu era o cara, que melhor que eu só mesmo o Leo Gandelman, blz.. achei legal isso, fiquei até feliz naquele momento..
Ele me vira e diz: - Fábio, você trouxe algumas musicas pra gente tocar pra eles? Confesso que na hora deu vontade de rir, pois ensaiamos todas as musicas e ele agiu como se fosse algo novo, como se nunca tivesse tocado comigo antes, claro que eu respondi na maior naturalidade: -Claro, trouxe algumas musicas que irão agradar com certeza aos noivos.
Que horrivel! Me senti um falso! Agindo como se tudo fosse feito na hora, é provável que eu tenha encenado de forma maravilhosa, como uma vez quando fiz uma fala expressando a quebra de um velho orgão "- Oh, não! O orgão!" - Enquanto colocava as mãos na cabeça igual ao Robocop de forma robótica e totalmente falsa, é, teatro não é a minha praia.
Bem toquei carinhoso, e depois de quase uma capotada nas colcheias (traidoras, tentaram me enganar de novo!) saiu tudo bem, fui tocar a musica “Como é grande o meu amor” do Roberto Carlos, o casal adorou, disse que essa era uma das musicas preferidas deles! - Uau! Pensei eu na hora. Agora a verba sai!
Olhei para o meu amigo e o descarado teve a coragem de perguntar qual era o tom, quanta falsidade num só coração! Ficamos mais de 10 minutos discutindo qual seria o tom e já estava mais que decidido! Dei um sorriso amarelo e disse na maior naturalidade no estilo da encenação do Velho órgão, - É ré menor, você sabe essa musica?
Agora é demais! Eu já estava começando a gostar desse jogo de "os desmiolados" já estava até improvisando, perguntando se ele sabia essa musica. Eu acho que ele já tocou essa musica em todos os tons possíveis e imagináveis na sua trajetória como tecladista de casais apaixonados.
Comecei a tocar e apesar de eu não emitir nenhum som comparado ao Leo Gandelman, vi que a noiva ficou impressionada, chegou a segurar a mão do seu amado, como as pessoas fazem ao decolar de avião na primeira vez, e ela estava sorrindo e admirando eu tocando com meu sax de ultima geração (ultima mesmo, por pouco ele não vinha com a chave de Fá frontal) e enquanto eu tocava senti um clima de romance, ao mesmo tempo que, sentia um profundo ódio do meu amigo tecladista que estava mudando as harmonias e me atrapalhando todo, ele devia estar achando que era o Maestro Eduardo Lages.
Depois que acabei de tocar já não tão romântico assim, vi que o casal já tinha aceitado a idéia de ter um saxofonista na sua recepção.
E o meu amigo ainda diz que iria ser um show e tanto que eu irei tocar, Sax alto, Tenor, Soprano, Flauta, por pouco ele não me faz aprender Oboé também em cima da hora.
Lá se foi todo o meu planejamento por água baixo, todos os planos em não usar o Sax Alto e Soprano por cansar muito num evento desse tamanho.
O momento de maior pavor foi quando ele diz que eu tocava até música do Kenny G!
-Não! Kenny G, não!
Tocar carinhoso, até tudo bem, mas Kenny G já era uma covardia! Não tenho nada contra o pobre Kenny G, mas de alguma forma as musicas dele me traumatizaram de forma profunda ao lembrar de milhares de festinhas de 15 anos que eu fui, onde só tocavam Kenny G.
Lembro até uma vez que a aniversariante resolveu dançar valsa com todo mundo, eu já estava até esperando a locutora dizer: “-Agora a aniversariante chama seu cachorrinho Tommy pra dançar a valsa”.
Dessa forma criei um certo receio do Kenny G, da mesma forma que você cria um receio de ir à sala do seu chefe, depois que você descobre que duas pessoas já foram demitidas.
Mas tudo bem, vou levar todos os sax e a flauta pro evento. To pensando até em levar umas latas de tinta vazias e dá uma de Hermeto Pasqual já que vou tocar um monte de instrumentos mesmo.
O momento que me deixou feliz foi quando ela assinou o cheque, oficializando o evento que mais à frente irei tocar com meu amigo Maestro quase Eduardo Lages.
Depois de tudo oficializado e o casal já ter ido embora, olhei pro meu amigo e disse: -É depois dessa você vai tocar carinhoso sozinho, só pra aprender a não usar golpes baixos. Ainda tentei roubar um pacote de trakinas do armário dele, só pra ele ter que ir ao mercado comprar de novo, mas o danado já tinha comido tudo. Ainda vou ter minha vingança, ele vai ver...
Coitado do Maestro Eduardo Lages, ainda bem que ele não ficou sabendo dessas coisas...
domingo, 3 de junho de 2007
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